Nesta sexta-feira (19), recebemos na 2° Edição do Harmonia’s Talk Show dois indígenas da aldeia Guyrapa ju, localizadas na região do pós-balsa, em São Bernardo do Campo, os irmãos Ara Poty e o Nhamandu.
Os dois participaram do bate-papo que contou ainda com a apresentação da professora de português, Bruna Sousa, do professor de história Marcus Toledo, da ex-aluna do Colégio Harmonia e antropóloga indigenista, Joana Bonfim, e da representante da coordenação do Comitê Intersetorial de Assuntos Indígenas de São Bernardo do Campo, que atua na direção da proteção social básica da Secretaria de Assistência Social junto às unidades CRAS – os Centros de Referência de Assistência Social, Camilla Padoim.
O Dia dos Povos Indígenas, 19 de abril, não é um dia de celebração. Pelo contrário, é um dia de reflexão sobre a luta contra o preconceito contra os indígenas e pela manutenção de seus direitos.
Como Ailton Krenak, líder indígena, escritor e ambientalista disse, “existe uma aniquilação dos povos originários. Os Yanomami [por exemplo] são invadidos por garimpeiros até hoje. Ninguém declara guerra, mas muita gente morre. A vida do indígena no Brasil é barata”.
“A população indígena está diminuindo drasticamente, os indígenas estão desaparecendo de verdade, agora quem aqui se sente em guerra? O pessoal na Ucrânia deve estar se sentindo em guerra, o pessoal na Faixa de Gaza deve estar se sentindo em guerra, o Brasil está em guerra agora, os povos indígenas vivem em constante conflito para defender suas terras e seus direitos, por séculos foram massacrados, mas, como está distante de nós, vivemos normalmente como se essa injustiça com esses povos não estivesse acontecendo. Falta essa consciência, e essa consciência não é despertada em nós não porque não temos capacidade de perceber, é porque existem muitas forças andando justamente para fazer o impossível, o que é evidente. Existe um processo de destruição de comunidades indígenas no Brasil e não é um problema de hoje, é um problema desde sempre!”, destacou o professor Marcus.
“Para nós é uma data importante para falar um pouco sobre a nossa luta diária. É triste falar da nossa luta, porque quem está de fora não sabe a realidade das nossas aldeias. Não sabem como elas são. O preconceito existe. Quando a gente vem para a cidade para fazer compras, ir ao mercado, muitas pessoas falam que eu sou boliviana. E eu falo que não sou boliviana, eu sou etnia guarani, do povo Guarani e vivo aqui no Brasil. Somos confundidos com pessoas de outros países. Isso é uma luta para nós e muitos “parentes” não querem sair das aldeias”, disse Ara Poty.
“Quero agradecer aos alunos, professores e a todos os envolvidos por esse convite. Hoje é o Dia Nacional dos Povos Indígenas, mas não comemoramos. A nossa luta não começou lá em 1500, a nossa luta vem antes e segue até os dias de hoje. A nossa luta é todo dia. Não é só em Brasília, nas ruas, a gente vem lutando todos os dias. A gente já vem perdendo um pouco da nossa cultura, mas o principal a gente vem mantendo que é a nossa língua materna, a convivência, o modo de vida, como é viver em uma aldeia, então a gente passa isso aos nossos filhos também. A gente não sabe como será no futuro, porque logo não estaremos mais aqui, mas ensinamos aos nossos filhos a manter essa cultura e a tradição. Passamos de geração para geração. O preconceito que enfrentamos nas cidades, nas ruas, é muito complicado. Quando a gente anda de ônibus, a gente sofre racismo, mas não vamos abaixar a cabeça e ser derrotados. Viver na aldeia é mais tranquilo”, ressaltou Nhamandu.
Nhamandu fez questão de falar sobre as histórias que os livros contam dos povos indígenas. “Muitas histórias são verdadeiras, mas no meio dos livros eles não acabam contando a verdade. Hoje em dia, a gente escuta muito, porque os indígenas estão usando roupas. É uma forma de adaptação. A gente teve que se adaptar para viver em um mundo social, já temos celular para nos comunicar. Estamos nos adaptando a isso. Mas, a maioria dos povos ainda mantém a tradição. Agradeço a oportunidade de poder falar um pouquinho do que é ser indígena”.
“As coisas ricas que nós temos a gente procura manter – a preservação das florestas, das nascentes. Todo território indígena é preservado. Quando a gente procura no mapa Tenondé Porã, a gente vai ver que todas as terras só tem mata. A gente procura preservar mais para ter mais para frente, caso necessite. Nós passamos para os mais jovens e para as crianças como deve preservar e como tratar as plantas. Essas são as coisas ricas que a gente tem”.
“Quando a gente pensa em equidade é lidar, cuidar e tratar de forma diferente quem é tratado diferente pela sociedade. E porque os povos indígenas são tratados de forma diferente pela sociedade? Por conta de todo esse histórico que o professor comentou, por conta de todo esse processo de colonização que atribuiu uma inferioridade ilusória. Não é verdade que há uma hierarquia entre os povos. Ninguém é superior a ninguém. Todos estamos na mesma condição. Porém, houve uma ideia de superioridade. Então, essa é a base da colonização. A ideia de que a população branca seria superior às demais. Desde lá de trás foram construídos estigmas, por isso, faz com que a gente ainda precise falar sobre o racismo e pensar o enfrentamento disso. Como eles comentaram, eles vivenciam, sentem, percebem na pele, nos olhares, quando eles vêm para a cidade, nos ônibus. Essa prática do racismo é sutil para quem pratica, mas às vezes um olhar, uma palavra é bastante violenta para quem recebe”, explicou Camilla Padoim.
Em 2022, o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, instituiu um decreto que criou o Comitê Intersetorial de Assuntos Indígenas de São Bernardo do Campo.
“O comitê reúne várias secretarias, porque a gente precisa pensar em um atendimento para a população indígena de forma integrada. Não é só a saúde que vai fazer o atendimento, a assistência social também vai fazer, a secretaria de meio ambiente, e as ações pensadas em prol das populações indígenas se dão em reuniões e eventos. A gente faz uma grande roda de conversa e falamos sobre os problemas que os indígenas da cidade enfrentam. Seja o pessoal das aldeias, seja o pessoal que está no contexto urbano. Hoje, estarmos aqui é uma forma de dialogar e refletir para ficarmos um pouco mais atentos e fortalecidos para essas práticas. Esse também é um dos objetivos do comitê”, disse Camilla.
A cidade de São Bernardo do Campo é a primeira cidade da região metropolitana a assinar o termo celebrado com o Ministério Público Federal, aderindo ao projeto Cidades Antirracistas – “a ideia enquanto município é pensar em práticas neste sentido”, reforçou Camilla.
Os alunos presentes no encontro tiveram a curiosidade em saber quando eles aprendem o português.
Nhamandu explicou que eles aprendem a língua materna que é o guarani, mas a partir dos cinco anos de idade eles começam a aprender o português para começarem a se socializar – uma forma de comunicação. Em uma aldeia utilizamos os dois, mas em primeiro lugar vem o guarani.
Coordenadores de algumas escolas de São Paulo participaram do encontro como convidados. Priscila Della Brida, representante da Geekie, disse que foi uma iniciativa fantástica da escola. “Até me emocionei, porque é um assunto de tanta importância”.
Representando o secretário de Assistência Social, André Sicco, Paula Fiori destacou que eventos como esse tiram as pessoas do senso comum. “Precisamos cada vez mais de encontros como esses. As pessoas precisam reconhecer a diversidade do nosso país e valorizar as realidades que existem”.